terça-feira, 23 de setembro de 2014

Porque a Rainha exigia rosas vermelhas?

Ainda no clima da primavera e no assunto flores, não podemos deixar de abrir um espaço exclusivo para as rosas. Gostem ou não, a rosa é uma das flores mais antigas conhecidas pelo homem e ainda é uma das mais populares. 
A rosa está envolvida em muitos aspectos simbólicos, históricos, mitológicos, artísticos, políticos e até comerciais com a produção de perfumes e essências...
Segundo a mitologia grega, a rosa é a flor do amor. Ela foi criada por Clóris, a deusa grega das flores, a partir do corpo sem vida de uma ninfa que ela encontrou certo dia em uma clareira no bosque. Clóris a plantou no solo. Pediu a ajuda de Afrodite, a deusa do amor, que deu à ninfa, a beleza; Dionísio, o deus do vinho, também contribuiu e ofereceu néctar para proporcionar-lhe um perfume doce; E as três Graças também lhe deram, respectivamente, encanto, esplendor e alegria. Depois Zéfiro, o vento oeste, afastou as nuvens com seu sopro para que Apolo, o deus do sol, pudesse brilhar e fazer a planta florescer. E desta forma, a rosa nasceu e, com tanto esmero na sua criação e atributos, foi logo coroada Rainha das flores.
Só por isso poderíamos supor que a Rainha de Copas gostava de rosas? Por se tratar de uma flor igualmente nobre? Mas as possíveis interpretações e significados da rosa vermelha em "Alice no país das maravilhas", podem ir muito além disso.
Falando um pouco da relação das rosas e nobreza, ao longo da história... 
Nabucodonosor usava-as para adornar seu palácio e, na Pérsia, onde elas eram cultivadas por sua essência perfumada, as pétalas eram utilizadas para encher o colchão do sultão. Em Caxemira, os imperadores mongóis cultivavam belos jardins de rosas e as flores eram jogadas no rio para dar-lhes as boas vindas quando voltavam para casa. Mais tarde, as rosas tornaram-se sinônimo dos piores excessos do Império Romano. Os camponeses eram obrigados a plantar apenas rosas em vez de alimentos para satisfazer as exigências de seus governantes. Os imperadores enchiam suas banheiras e fontes com água de rosas, que caíam do teto durante as festividades.
Alguma semelhança com as cartas oprimidas e obrigadas a cultivarem e manterem as rosas vermelhas do jardim da rainha de copas? ...ou...CORTEM AS CABEÇAS!!!
Mas e a cor vermelha?
Ainda segundo a mitologia grega, conta-se que, Afrodite e Perséfone, ambas apaixonadas por Adônis, costumavam compartilhar os "favores" do rapaz. Porém quando Afrodite decidiu ter exclusividade, Perséfone pediu ajuda de Ares, o deus da guerra. 
Um dia, Adônis caçava na floresta e foi fatalmente atacado por um javali. Afrodite correu pra junto dele, arranhando-se em arbustos de rosas brancas. Rosas vermelhas surgiram onde o sangue de Adônis havia respingado e as rosas brancas em que Afrodite se arranhou tornaram-se vermelhas em solidariedade. 
Bom, disso podemos entender porque a rosa é tida como a flor dos enamorados.
Continuando...
Os primeiros cristãos fizeram das rosas vermelhas o símbolo do sangue do mártir, ao passo que as rosas brancas sempre foram associadas à pureza e inocência. Diz-se que a Virgem Maria colocou seu véu pra secar sobre um arbusto de rosas vermelhas que, depois disso, passou a produzir rosas de brancura imaculada.
Hum, certa semelhança com a mitologia grega, mera coincidência?
Agora, falando historicamente, temos a Guerra das Duas Rosas, que foi uma guerra civil ocorrida na Inglaterra entre os anos de 1455 e 1485. Os conflitos ocorreram pela disputa do trono inglês entre duas importantes famílias nobres britânicas: Lancaster e York.
O nome da guerra foi dado em função dos emblemas que representavam estas duas famílias: Casa de Lancaster (rosa vermelha) e Casa de York (rosa Branca). Em 1455, a Inglaterra era governada pelo rei Henrique VI da Casa Lancaster. Com a derrota na Guerra dos cem Anos (1337 a 1453), a administração fraca e os problemas mentais apresentados por Henrique VI, criou-se um clima favorável para a disputa pelo trono inglês. Assim, Ricardo, duque de York, se uniu a vários nobres ingleses e exigiu a renúncia de Henrique VI do trono da Inglaterra. Em 1455, Henrique VI organizou um exército para atacar Ricardo e seu grupo. Teve assim início a Guerra das Duas Rosas. Durante 30 anos, ocorreram várias batalhas e vitórias de ambos os lados. Milhares de ingleses morreram nos conflitos e a Inglaterra ficou praticamente dividida na guerra. Com a derrota e morte de Ricardo III (York) na Batalha de Bosworth (1485), o vencedor Henrique Tudor, um remoto descendente dos Lancaster por parte de mãe e Tudor por parte de pai, foi coroado rei da Inglaterra (Henrique VII). O novo rei conseguiu colocar fim ao conflito militar e a disputa política ao se casar com Isabel de York, unindo desta forma as duas famílias.



Na inglaterra, uma rosa damascena branca e vermelha passou a ser cultivada a partir dessa ocasião e recebeu o nome de Rosa York e Lancaster ou Rosa Tudor.

Anos mais tarde já durante o reinado da rainha Elizabeth I, conhecida como a rainha virgem, foi adotada a Rosa Tudor como seu emblema e ela escolheu  "Rosa sine spina"(Rosa sem espinho) como seu mote. Muitos poetas elisabetanos escreveram sobre ela. Sob o reinado de Elizabeth I floresceram também as artes e a cultura. Foi nessa época que surgiram escritores de renome como William Shakespeare, Christopher Marlowe e Ben Johnson. 
Inclusive, Shakespeare colocou isto em cena, em sua peça Henrique VI, parte de uma trilogia, quando cada um dos lados colheu as rosas no jardim do Templo em Londres. 
A rosa tem sido o emblema nacional da Inglaterra desde então. 
O país é famoso por suas rosas e é raro um jardim que não as tenha. 

Bem, acho que agora podemos entender o porque das rosas ligadas a nobreza e a questão das cores vermelha e branca aparecerem na história de Alice, sendo seu autor e a personagem, quando em seu mundo real, ingleses.
Realmente não podemos subestimar esta obra de Lewis Carroll. É uma das obras mais célebres do gênero literário nonsense
Além dessas relações simbólicas e políticas que acabamos de perceber, dizem os estudiosos, que está repleta de alusões satíricas, dirigidas tanto aos amigos como aos inimigos de Carroll, paródias a poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX e também de referências linguísticas e matemáticas, frequentemente através de enigmas que contribuíram para a sua popularidade. Isso pra não mencionar as frequentes relações feitas com a estética surrealista e a teoria do inconsciente na psicanálise de Freud. 
Porém, a saga de Alice, foi publicada pela primeira vez em 1865 e as primeiras publicações de Freud sobre inconsciente e psicanálise foram a partir de 1891, assim como o surrealismo surge e toma corpo por volta de 1920.
Trata-se então de uma obra, muitas vezes simplificada através de versões, mas de difícil interpretação, pois contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos. Este livro possui uma continuação, Alice do outro lado do espelho, e ambos influenciam ainda diversos autores e filmes até hoje.
Na minha opinião, a maior genialidade desta obra está no fato de que todas essas e muitas outras possíveis relações, independente de terem sido engenhosamente colocadas no texto - para uma possível teoria, crítica ou sátira - ou se surgiram espontaneamente por ser uma expressão artística que, de maneira inconsciente, talvez tenha traduzido sua época. - Época que antecedeu e talvez tenha dado origem ao que depois conhecemos como psicanálise, surrealismo, inconsciente coletivo, etc... - O fez brilhantemente. quando escolhe como mote, o personagem de uma menininha curiosa, onde tanto a estética quanto a narrativa se mostram justamente como a cabeça de uma criança funciona, cheia de informações novas, não necessariamente compreendidas de maneira linear e completa mas que, de alguma forma, por intuição e ou criatividade, se dá sentidos e relações.  Maneira essa, capturada nesta obra nos dando a chance de mergulhar e adentrar essa mente, assim como Alice, curiosa, entra na toca do coelho. 
No país das maravilhas, como no nosso inconsciente, mesmo adultos, podemos criar relações e sentidos de muitas ordens, que não só a cotidiana, mesmo que sejam aparentemente nonsenses.

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